Em meio à crise hídrica, obras de dragagem e derrocamento no rio Paraguai, impulsionadas por interesses econômicos, desafiam acordos internacionais e colocam em risco a integridade ecológica do Pantanal, exigindo respostas urgentes de especialistas.

Em meio à crise de escassez hídrica excepcional na Bacia do Alto Paraguai, decretada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) em maio deste ano, o Paraguai deu início a obras de derrocamento e dragagem, em uma decisão unilateral que ignora o Tratado da Hidrovia Paraguai-Paraná. A iniciativa foi motivada por pressões de empresas de navegação, com destaque para uma empresa brasileira vinculada ao Grupo JBS, evidenciando interesses econômicos que atropelam acordos internacionais e agravam a fragilidade ambiental da região.

IMPACTOS AMBIENTAIS E RISCOS AO BIOMA PANTANAL

A pesquisadora Débora Calheiros, da Embrapa/MPF e colaboradora do Fonasc.CBH no Pantanal, destaca que, diante de uma escassez hídrica tão grave, as intervenções com dragagens e derrocamentos não devem ser consideradas soluções. Ela enfatiza a necessidade de respeitar os períodos de seca anuais e plurianuais, fundamentais para a conservação do Pantanal e do Sistema Paraguai-Paraná, que é essencial para a socioeconomia dos países da Bacia do Prata.

Vale ressaltar que o Bioma Pantanal é considerado Patrimônio Nacional pela Constituição Brasileira, que o reconhece como um patrimônio que deve ser preservado e defendido pelas gerações presentes e futuras. O artigo 225, § 4º da Constituição, impõe ao poder público e à coletividade o dever de preservar o meio ambiente e assegurar o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.

O IMPACTO DA NAVEGAÇÃO E AS CONSEQUÊNCIAS DA DRAGAGEM

O rio Paraguai é uma das melhores vias navegáveis naturais do mundo, com possibilidade de navegação por até oito meses, desde que suas características hidrológicas e geomorfológicas sejam preservadas, assim como a integridade do Pantanal. No entanto, a atual proposta de dragagem e derrocamento no Paraguai representa um grave risco ao regime de inundações do bioma. Alterações como o escoamento acelerado, o aumento das descargas de pico e a redução da área de inundação sazonal na planície pantaneira, especialmente durante a seca, podem comprometer diretamente os processos ecológicos essenciais que sustentam o bioma. As consequências ambientais, sociais e econômicas dessas intervenções seriam de grande magnitude, ameaçando seriamente a integridade do Pantanal.

A navegação no Tramo Sul do rio Paraguai, trecho que se estende de Corumbá (MS) até a foz do rio Apa, em Porto Murtinho (MS), sempre foi conduzida seguindo diretrizes bem definidas. Essas normas incluem o controle do tamanho dos comboios e a realização apenas das chamadas “dragagens de manutenção”, intervenções limitadas que não envolvem o aprofundamento do leito do rio. Esse modelo é similar ao adotado no Tramo Norte, onde o IBAMA licencia esse tipo de operação desde 1998.

Contudo, em um ano marcado por uma seca histórica, em que o rio Paraguai alcançou o nível mais baixo já registrado, a recomendação é suspender qualquer intervenção, mesmo as consideradas de manutenção. Com a previsão de agravamento da situação até dezembro, qualquer atividade no leito do rio poderia intensificar os danos ambientais, comprometendo ainda mais o equilíbrio hidrológico e ecológico da região, especialmente no delicado bioma Pantanal.

Ignorar informações técnicas multidisciplinares em favor de projetos puramente econômicos é uma expressão clara de negacionismo científico. Essa atitude desconsidera os alertas de especialistas sobre os profundos impactos ambientais, sociais e econômicos que tais ações podem causar, ameaçando ecossistemas vitais e as comunidades que deles dependem. Decisões responsáveis devem ser fundamentadas na ciência, buscando um equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação ambiental.

PREOCUPAÇÕES CIENTÍFICAS

Débora Calheiros é uma das signatárias de uma carta aberta dirigida às autoridades brasileiras responsáveis pela preservação do bioma Pantanal, reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco e Reserva da Biosfera. O documento, assinado por diversos cientistas especializados no ecossistema pantaneiro, denuncia os riscos da navegação de grande porte na região, alertando para os impactos ambientais que podem comprometer a sustentabilidade do bioma.

AGUARDANDO RESPOSTAS DAS AUTORIDADES

Cientistas e o Fonasc.CBH, aguardam respostas das autoridades responsáveis, como os ministros dos Transportes e de Portos e Aeroportos, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o Presidente da República, o Presidente do IBAMA, e os governadores de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A expectativa é de que sejam adotadas ações urgentes para assegurar a proteção do Bioma Pantanal e a integridade do Sistema Paraguai-Paraná, garantindo a preservação dos seus processos ecológicos essenciais e evitando danos irreparáveis ao meio ambiente.