Internacional – Criado um material poroso que captura fármacos da água
Cientistas em Portugal desenvolveram um material reutilizável que consegue absorver dois anti-inflamatórios da água.

Texto: Do Portal Publico de Portugal
Data:19/09/2018
Capturar fármacos da água. Era este o objectivo de Laura Salonen e da restante equipa do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga. “Hoje em dia, há cada vez mais gente no mundo, o que significa que há mais pessoas a usarem medicamentos”, conta a cientista. Como o nosso organismo não metaboliza todo o fármaco, acabamos por expulsar através da urina ou das fezes uma parte, que pode ir parar às águas residuais. “As técnicas que existem não são capazes de capturar todos os contaminantes que ficam nessas águas”, adianta Laura Salonen. Por isso, juntamente com outras instituições internacionais, a sua equipa criou um material poroso que – em laboratório – conseguiu absorver os anti-inflamatórios ibuprofeno e diclofenaco da água.
A estrutura do novo material assemelha-se à de um favo de mel. Afinal, a equipa desenvolveu uma rede orgânica co-valente (um tipo de ligação química) e uma das suas características é a cristalinidade, que permite que o material seja uniforme, ou seja, que todos os poros sejam iguais. Como este material é constituído por moléculas orgânicas que contêm flúor, é hidrofóbico – não absorve nem retém água.
Apesar de cada poro ter só um nanómetro de diâmetro (um milhão de vezes mais pequeno que um milímetro), este material pode ser uma grande superfície. Como? No interior tem poros que também formam parte dessa superfície.
Em laboratório, suspendeu-se a estrutura na água, que tinha contaminantes. O que aconteceu? “Vimos que o material que desenvolvemos é capaz de capturar muitas quantidades de ibuprofeno da água”, recorda Laura Salonen. Conseguiu-se absorver 120 miligramas de ibuprofeno por cada grama desse material. Depois, experimentou-se absorver diclofenaco (um outro anti-inflamatório com acção analgésica muito usado para sintomas de reumatismo, por exemplo). “Também é lipofílico [ou seja, dissolve-se em gorduras ou óleos vegetais] e tem um tamanho [da molécula] parecido [com o do ibuprofeno].” Contudo, o diclofenaco teve uma absorção mais baixa: 18 miligramas por cada grama do material.
Quando fizeram o teste com o paracetamol, a captura também foi mais baixa: houve uma absorção cerca de dez vezes menor do que a do ibuprofeno. “Ficámos satisfeitos porque queremos ter um material capaz de capturar um grupo de moléculas específicas e com características específicas como a lipofilicidade e o tamanho”, refere Laura Salonen, acrescentando que pode haver diferentes eficiências na utilização do material – como aconteceu com o ibuprofeno e o diclofenaco – dependendo das características de cada um.
Próximo passo: absorver pesticidas e Valium
“Anunciamos que, pela primeira vez, uma rede orgânica co-valente pode ser usada para absorver poluentes farmacêuticos da água”, lê-se num artigo científico na revista Chemistry no qual a equipa – também formada por instituições de Espanha, Alemanha e da Argélia – apresenta o seu trabalho.
Laura Salonen aponta que algumas das vantagens desta estrutura são o tamanho e a uniformidade dos poros, que permitem capturar um certo tipo de fármacos. Além disso, refere que é reutilizável. Ao se remover o ibuprofeno absorvido do material com um solvente orgânico, verificou-se que esse mesmo material se poderia utilizar outra vez. “Significa que podemos reutilizar o material e assim baixar os seus custos”, indica a cientista, adiantando que a sua equipa está a trabalhar em diferentes formas de o usar em larga escala.
A ideia é fazer nanopartículas cobertas por esta estrutura ou fibras que possam ser usadas, por exemplo, nas estações de tratamento de águas residuais (ETAR). “Também podemos imaginar este material como um tipo de filtro.” Contudo, Laura Salonen frisa que ainda é muito cedo para se pensar na sua comercialização. “É difícil de estimar [quando poderá estar disponível no mercado]. Pode levar alguns anos.” Também refere que é muito cedo para se falar em preços, mas espera que tenha um custo acessível.
Por agora, a equipa vai desenvolver outras redes orgânicas co-valentes, para que seja possível capturar pesticidas e outros fármacos na água, como o diazepam, o composto activo do ansiolítico conhecido comercialmente como Valium.
