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Projeto de lei que muda regras para barragens de rejeito em Minas Gerais ignora recomendação da ONU por mais segurança

Projeto de lei em tramitação permite que empresas aleguem “inviabilidade econômica” para não serem obrigadas a utilizar alternativas técnicas às tradicionais barragens de rejeito. Documento da ONU diz que atributos de segurança devem ser avaliados “separadamente de considerações econômicas”
Alegar custos elevados para não utilizar tecnologias e mecanismos de segurança mais avançados do que as barragens de rejeito têm sido, historicamente, a estratégia das mineradoras para evitar a redução de seus lucros. A ONU veio ao Brasil e colocou em xeque essa alegação das empresas.  Em visita realizada em março às cidades mineiras de Mariana e Barra Longa, duramente atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, o diretor executivo da ONU Meio Ambiente, Erik Solheim, defendeu que a segurança ambiental e humana deve ser priorizada em “todos os aspectos das operações de mineração”. A agência aproveitou a ocasião para divulgar o documento Mine Tailing Storage: Safety is no Accident”, principal publicação das Organizações das Nações Unidas (ONU) dedicada à segurança de barragens e disposição de rejeitos de minério no mundo. A ONU Meio Ambiente é a agência da ONU responsável por promover a conservação do meio ambiente e o uso eficiente de recursos no contexto do desenvolvimento sustentável.

O Lei.A teve acesso ao documento, que reúne as recomendações da ONU para que tragédias como a de Mariana não se repitam. A primeira e principal delas é a que “reguladores, indústrias e comunidades devem adotar um objetivo comum de falha zero para estruturas de disposição de rejeitos onde atributos de segurança sejam avaliados separadamente de considerações econômicas, sendo que o custo não deve ser o fator determinante”.

A recomendação da ONU vai diretamente contra o artigo 6º do projeto de lei 3676, cuja redação atual resguarda a possibilidade de as empresas alegarem “inviabilidade econômica” para não serem obrigadas a utilizarem, em Minas Gerais, técnicas alternativas de disposição de rejeitos aos tradicionais barramentos. A proposta de lei, já aprovada em primeiro turno pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi escolhida pelos deputados em detrimento de outra, de iniciativa popular (projeto de lei 3695), que propunha expressamente a proibição de novas barragens de rejeito “sempre que houver alternativa técnica”.

Riscos

Segundo a ONU Meio Ambiente, os rejeitos do setor de mineração podem conter substâncias nocivas para o ser humano e para a natureza, incluindo metais pesados e radioativos, minerais sulfurados e reagentes como o cianeto. Esses compostos poluem o solo e fontes vitais de água.

Embora não exista um inventário de todas as barragens de rejeitos no mundo, o levantamento da agência das Nações Unidas, elaborado em parceria com a Fundação GRID Arendal, estimava em 2017 que existiam pelo menos 3,5 mil sistemas de armazenamento desse tipo. Segundo a pesquisa, embora o número de problemas nas operações das barragens tenha tido queda nos últimos anos, incidentes mais sérios aumentaram.

De 2007 a 2017, pelo menos dez episódios graves foram registrados em barragens. Para cada ocorrência, foi calculada uma média de 20 mortes e de vazamento de, ao menos, 1 milhão de metros cúbicos de rejeitos. Resíduos se deslocaram por 20 quilômetros ou mais em alguns dos casos analisados.

“Está claro que, na maior parte das falhas documentadas (com exceção das rupturas induzidas por terremotos), houve com antecedência amplos sinais de alerta. A tragédia é que os sinais ou foram ignorados ou não foram reconhecidos por serviços de gerenciamento subfinanciados”, conclui o relatório.

A publicação da ONU Meio Ambiente aponta que variações e fenômenos extremos do clima também são um desafio para a manutenção da segurança das barragens. Chuvas pesadas foram citadas como fator que contribuiu para 25% dos rompimentos de barragens em nível global. No contexto europeu, essa proporção chegou a 35%.

No Brasil, Minas Gerais é o estado com o maior número de barragens e tem praticamente todas as suas bacias hidrográficas sob o risco de rompimento de uma delas. Em 2017, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) identificou nada menos que 698 barragens cadastradas em 109 municípios do Estado. Deste total, 22 estruturas corriam risco de rompimento ou não puderam ter sua estabilidade garantida pela Feam devido à falta de dados e documentos técnicos por parte das empresas.


Como posso saber mais?

  • Para acessar a íntegra da publicação da ONU sobre segurança de barragens de rejeito, clique aqui (em inglês)
  • Para acessar a análise resumida do Lei.A sobre o projeto de lei 3676, clique aqui: http://leia.org.br/monitorar/8/lei_3676/
  • Para conferir a íntegra da matéria já feita pelo Lei.A sobre as divergências envolvendo o uso de tecnologias alternativas aos barramentos em Minas, clique aqui.
  • Para ler a nota técnica na qual o Ministério Público de Minas Gerais destaca as principais divergências entre os projetos de lei 3676 e 3695, de iniciativa popular, clique aqui: goo.gl/c1UadB
  • Para acessar os pareceres das comissões da Assembleia que já avaliaram o projeto, clique aqui: https://goo.gl/JrDDKs.
  • Para enviar mensagem aos deputados eleitos com votos do seu município, cadastre-se na nossa plataforma, www.leia.org.br. Clique na caixa “Barragem de Rejeitos”, entre em “De Olho no Mapa” e saiba todos os detalhes sobre cada município mineiro. À esquerda, você pode procurar dados sobre cada cidade e, à direita, ver quais deputados foram votados em sua região. Escolha os deputados para quem você quer enviar o seu recado.
  • Para ler todos os conteúdos que o Lei.A já publicou sobre o assunto, acesse nosso blog e clique na aba “Barragens de Rejeito”. O endereço é blog.leia.org.br.

 

*Com informações da ONU Meio Ambiente