O evento, realizado em Palmas (TO), destacou a importância da participação social, ações inovadoras e os obstáculos enfrentados pelos comitês na gestão hídrica da Região Norte.

Foto: Arquivo Pessoal / Thereza Christina

Entre os dias 02 e 04 de dezembro de 2024, o Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc.CBH) participou do 1º Encontro Regional de Comitês de Bacias Hidrográficas da Região Norte (ERCOB Norte), realizado no Palácio Araguaia Governador José Wilson Siqueira Campos, em Palmas (TO). O evento, promovido pelo Governo do Tocantins, por meio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), em parceria com o Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (FNCBH), reuniu representantes de sete estados da região Norte – Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins – além de participantes de outras regiões do Brasil.

O Fonasc.CBH esteve representado no evento pelo coordenador nacional, João Clímaco, e pela vice coordenadora nacional, Thereza Christina, que também atuou como emissária do presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Itapecuru (CBH do Rio Itapecuru), Tiago de Oliveira.

ABERTURA COM PERSPECTIVAS GRANDIOSAS

Durante a abertura do evento, o secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Tocantins, Marcello Lelis, destacou a importância do 1º ERCOB Norte, definindo-o como um marco para a gestão das águas no Brasil. Ele ressaltou que o encontro ocorreu em um momento estratégico, com decisões cruciais voltadas à preservação dos recursos naturais e ao fortalecimento da resiliência diante dos desafios climáticos enfrentados tanto no país quanto no cenário global.

O diretor de Planejamento e Gestão dos Recursos Hídricos do Tocantins, Aldo Azevedo, enfatizou a troca de conhecimentos entre os participantes e a oportunidade de compartilhar ações inovadoras realizadas no estado. Entre elas, o Centro de Recuperação de Águas Degradadas (CRADs), que promove a recuperação de nascentes por meio da produção de mudas nativas do cerrado, em parceria com prefeituras, universidades e comunidades locais. Essa iniciativa exemplifica o esforço conjunto para fortalecer a gestão integrada dos recursos hídricos.

A solenidade contou com a participação do chefe da Casa Civil do Governo do Estado do Tocantins, Deocleciano Gomes Filho, que representou o governador e destacou o compromisso da gestão estadual com o apoio a iniciativas ambientais, bem como à promoção da sustentabilidade alinhada ao desenvolvimento do agronegócio.

O evento culminou na entrega oficial do Plano das Bacias Hidrográficas dos Rios Santo Antônio e Santa Tereza, além da assinatura do decreto de criação do Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Coco e Caiapó. Essa medida visa integrar a comunidade local, promovendo o uso consciente dos recursos hídricos, incentivando o diálogo e a colaboração entre os diferentes setores envolvidos.

DESAFIOS E AVANÇOS DOS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS NA REGIÃO NORTE: AÇÕES E PERSPECTIVAS

Ao longo da programação do ERCOB, foi possível conhecer de perto a variedade de ações realizadas pelos comitês de bacias hidrográficas da região e os desafios que enfrentam na gestão das águas no Norte do país. A vice coordenadora nacional do Fonasc.CBH enfatizou a importância do trabalho de cada comitê, apesar das dificuldades encontradas, e destacou como um ponto positivo a presença da sociedade civil nas presidências dos CBHs.

O vice-presidente do CBH do Rio Manuel Alves, Mário de Sena Filho, trouxe à tona ações inovadoras, como o uso do teatro como ferramenta de educação ambiental, além da elaboração de cartilhas e o envolvimento com escolas. Mário destacou a cooperação entre diversos atores, que tem sido essencial para o patrocínio das ações planejadas. Entretanto, ele também apontou desafios significativos, como a mineração, as queimadas e o impacto das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) na região.

Posteriormente, Maria Cristina Bueno Coelho, presidente do CBH dos Rios Santo Antônio e Santa Teresa, informou que o comitê, criado em 2016, abrange oito municípios e conta com uma composição paritária. Ela destacou a recente entrega do Plano de Bacia e apresentou duas importantes iniciativas: o #FalaMunicípio, que estabelece uma agenda de comunicação com os municípios da bacia para informar sobre a gestão das águas; e o Projeto Água na Escola, que, segundo Maria Cristina, é um esforço colaborativo envolvendo diversos setores da sociedade.

Na sequência, Jeferson Alberto Lima, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Alto e Médio Machado de Rondônia, parabenizou a realização do evento, ressaltando sua importância para fortalecer a gestão participativa, integrada e descentralizada das águas na região amazônica. Ele informou que Rondônia conta com quatro CBHs e, em seguida, abordou desafios relacionados à caracterização dos aspectos quantitativos e qualitativos das águas, ao uso da informação como ferramenta estratégica e à integração das políticas públicas. Jeferson também levantou a criação de mais CBHs como uma possível solução para enfrentar essas questões.

O presidente do CBH do Rio Lago de Palmas, Marcelo da Gama Grison, iniciou sua fala destacando a abrangência do comitê, que cobre 24 municípios, ocupa 6,6% da área do estado e concentra a maior população da região. Ele explicou que o plano de bacia, elaborado em 2016, contempla seis grandes eixos e 40 ações estratégicas. Além disso, o comitê avançou na elaboração de um TR para estudos sobre o enquadramento, o qual foi submetido ao órgão gestor, mas não obteve os encaminhamentos esperados. Contudo, após ser apresentado à CODEVASF, o projeto recebeu uma resposta positiva e está previsto para ser implementado no próximo ano. Um ponto relevante destacado foi a existência da CT de Demandas e Conflitos (CTDC), que desempenha um papel fundamental como uma instância legítima para receber denúncias e resolver conflitos, colaborando diretamente com a gestão das águas.

Ademais, Jair da Costa Oliveira Filho, presidente do CBH do Rio Formoso, apresentou as particularidades de sua bacia, que enfrenta seis meses de abundância hídrica seguidos de seis meses de grande déficit. Ele ressaltou o grande potencial da bacia para a geração de emprego e renda, com 50% do PIB agrário originário da região. O CBH do Rio Formoso também conta com seu Plano de Bacia, mas o desafio da sazonalidade das águas continua a ser um obstáculo significativo.

Por fim, o presidente do CBH do Rio Tarumã-Açu, Jadson Maciel, destacou como sua gestão tem integrado os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conectando diretamente os ODS 6 (Água Potável e Saneamento) e ODS 14 (Vida na Água à Política de Recursos Hídricos). Ele relatou que, há 10 anos, vem focando na gestão de resíduos sólidos, destacando o trabalho com o dispositivo Mapinguari, que realiza a coleta de resíduos em larga escala, utilizando uma garra manual nas principais saídas de esgoto sanitário. No entanto, ele também apresentou uma inovação em andamento: o dispositivo Yara, que utilizará inteligência artificial, é portátil e não faz uso de combustão. Este novo equipamento será
utilizado nos rios e igarapés da região, visando preservar os mananciais e melhorar as condições hidrossanitárias de mais de 700 pessoas.

Os relatos de cada presidente de CBHs evidenciaram a complexidade e a diversidade dos desafios enfrentados pelas bacias da região norte, mas também demonstraram o empenho na busca por soluções integradas e colaborativas para a gestão dos recursos hídricos.

Para Thereza Christina, a oportunidade de acompanhar as ações dos comitês da região Norte foi extremamente valiosa, permitindo-lhe avaliar de forma aprofundada os CBHs dos quais faz parte. “Foi muito enriquecedor conhecer os CBHs da região Norte, pois isso nos permitiu avaliar as ações implementadas pelos comitês do Itapecuru e do Pindaré. O Maranhão, inserido na Amazônia Legal, é parte de uma região delimitada pelo governo brasileiro, composta pelos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Roraima e Tocantins. A criação dessa região visou promover o desenvolvimento socioeconômico e territorial das áreas que compõem o bioma Amazônia,” destacou.

DESAFIOS DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO HÍDRICA

João Clímaco, sociólogo, ambientalista e coordenador do Fonasc.CBH, integrou a “Mesa Redonda: Participação da Sociedade Civil, Usuários e Poder Público no Sistema de Gestão de Recursos Hídricos”, um momento da programação do ERCOB que reuniu representantes do setor público, usuários e sociedade civil para debater a relevância da participação social na gestão das águas. No entanto, ficou evidente que, com exceção de João Clímaco, os outros participantes não abordaram a questão de forma abrangente. O coordenador nacional do Fonasc.CBH aproveitou a oportunidade para ressaltar um ponto fundamental para aprimorar a gestão hídrica: a sociedade civil deve ser reconhecida como um elemento essencial no processo, pois, sem sua inclusão, a gestão das águas não será efetiva.

O sociólogo destacou os desafios enfrentados pela sociedade civil na gestão das águas, ressaltando a dificuldade de fazê-la mais afirmativa e ativa nesse processo. Segundo ele, tem sido uma constante o fato de que a sociedade civil, no contexto da gestão hídrica, ainda vive uma ilusão de que gerenciar apenas a parte burocrática do sistema é suficiente.

No entanto, é necessário aprimorar a capacidade de identificar as demandas da sociedade e transformá-las em soluções viáveis dentro dos comitês, superando a falsa dicotomia entre visão técnica e visão política ou social. “A técnica deveria se subordinar à visão política, para que subsidie a demanda da sociedade”, afirmou.

Conforme João Clímaco, os comitês de bacia não devem ser encarados como meros gestores burocráticos, mas como agentes formuladores de políticas voltadas à conquista e ao aprimoramento de direitos. Além disso, com base em sua vivência na região Norte, observou que, ao longo da implementação da política de recursos hídricos, houve tentativas de minimizar os processos participativos. Nesse sentido, as elites locais muitas vezes buscam dominar os aspectos técnicos e conceituais da política para depois flexibilizar a atuação do Estado, o que dificulta a real participação social. Apenas recentemente, os Estados da região Norte começaram a se destacar na formulação e implementação de comitês de bacia.

O ambientalista também apontou que a sociedade civil na região Norte ainda não é reconhecida como um ator prioritário na gestão dos recursos hídricos, o que tem impulsionado o surgimento de movimentos autônomos e de resistência, como os dos Rios Tapajós e Santo Antônio, além da Frente do Amazonas. Essas iniciativas, que surgem à revelia da política oficial, buscam garantir a preservação de direitos, mas têm sido ignorados pelo sistema institucional. Para ele, a questão da participação social representa um desafio em todo o país, onde as distorções na construção da política de recursos hídricos indicam que, em vez de resolver problemas, a atual política favorece o uso econômico da água.

VISITA À UHE LAJEADO

Durante a programação, também houve uma visita à Usina Hidrelétrica de Lajeado, localizada no Rio Tocantins, no Estado do Tocantins, entre os municípios de Miracema e Lajeado, cerca de 60 km da capital, Palmas.

A concessionária responsável pela implantação e operação da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães, mais conhecida como UHE Lajeado, é a Investco S/A. A composição acionária da empresa é dominada pela EDP South América, com 73% das ações, seguida pela CEB com 20% e CPFL com 7%. A Investco detém a concessão da usina até 2035.

A UHE Lajeado opera a fio d’água e conta com 5 unidades geradoras, cada uma com 180,5 MW de capacidade, totalizando uma capacidade instalada de 902,5 MW. Com isso, a usina tem capacidade para gerar aproximadamente 4.600.000 megawatts-hora por ano, dependendo da disponibilidade média de água no Rio Tocantins.

Durante sua visita à usina, Thereza Christina compartilhou suas considerações sobre a experiência, destacando aspectos importantes como a questão da outorga, o funcionamento da escada de peixes e a impressionante beleza do lago. “Três pontos chamaram minha atenção. O primeiro é que a UHE não possui outorga. O segundo se refere à escada de peixe, um mecanismo crucial para monitorar a transposição de peixes – um dos maiores desafios em empreendimentos hidrelétricos – que, no entanto, encontra-se fechada. Após quatro anos de estudos, concluiu-se que o mecanismo não estava cumprindo a sua função. Confesso que gostaria de ter recebido mais informações sobre esses dois pontos. Por fim, o que realmente me impressionou foi a beleza do rio, especialmente a cor da água,” afirmou.

DESAFIOS E CAMINHOS PARA O FUTURO

O 1º Encontro Regional de Comitês de Bacias Hidrográficas do Norte evidenciou o esforço dos comitês da região na busca por soluções integradas para a gestão das águas, ao mesmo tempo em que expôs os desafios da participação social. Isso ressalta a necessidade de maior inclusão da sociedade civil nos processos decisórios para garantir uma gestão hídrica mais justa e eficaz. Além disso, é essencial fortalecer as políticas públicas de preservação e gestão dos recursos hídricos, considerando as mudanças climáticas e os desafios globais emergentes.