Em live do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas e da Frente Ambientalista, João Clímaco expôs os desafios da participação social diante dos interesses econômicos e políticos na gestão das águas.
No dia 26 de setembro de 2024, o Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (FNCBH) realizou uma reunião sobre “Os Desafios da Participação Social Frente aos CBHs”, transmitida simultaneamente pelo YouTube do Portal FNCBH e da Frente Parlamentar Ambientalista. O evento discutiu as dificuldades para avaliar o grau de participação social nos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) em bacias interestaduais e estaduais, bem como os limites e as oportunidades do atual modelo de gestão compartilhada dos recursos hídricos.
A reunião contou com a participação de João Clímaco, sociólogo, ambientalista e coordenador do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas, e de Flávia Barbosa, mestre em Geografia pela Unesp, doutora em Ciências Ambientais pela UFSCar, e pós-doutora em Geografia pela USP, vencedora do prêmio Capes de Tese, especialista em participação social e governança da água. Eles
apresentaram suas perspectivas sobre os desafios enfrentados pelos CBHs, com a mediação de Mirella Motta e a colaboração de Thamires Mercês.
Em uma análise detalhada e crítica sobre a participação social na gestão de recursos hídricos no Brasil, João Clímaco expressou sua preocupação com os desafios e limitações enfrentados pela sociedade civil dentro dos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBHs). Segundo o sociólogo, a promessa inicial de participação social e gestão compartilhada nesses espaços vem sendo continuamente esvaziada por questões políticas e estruturais.
A CONQUISTA DE DIREITOS NA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
João Clímaco defende que toda política pública representa, essencialmente, uma conquista de direitos. Ele destaca que essas políticas não se baseiam apenas no que está registrado ou nas intenções do legislador; elas emergem de um emaranhado de contradições, anseios, medos e interações dialéticas. Esse processo complexo resulta na criação de marcos regulatórios, como a Lei das Águas. Na análise do sociólogo, a criação da Lei das Águas, em 1997, foi um marco importante na busca pela consolidação da democracia no Brasil, em um momento em que a Constituição de 1988 ainda estava se consolidando na memória dos cidadãos. Ele ressaltou que a formulação desta lei foi fruto de intensas negociações e aspirações democráticas, envolvendo cientistas, acadêmicos e ambientalistas que acreditavam na água
como um bem social a ser protegido e compartilhado.
Após todos esses anos, João Clímaco reflete que a ideia de participação social se tornou uma falsa pedagogia. Embora frequentemente se mencione como uma realidade desejável, sua efetividade é questionável. O cenário atual é resultado de processos históricos e conjunturas que mudaram significativamente desde 1988, distantes do otimismo dos primeiros dez anos de debate sobre o
tema. A visão de que o Comitê de Bacia poderia ser um espaço inclusivo, onde diferentes raças, sexos e gêneros encontrariam soluções coletivas, se revelou uma utopia não concretizada.
CBHS: LUGARES DE CONTRADIÇÕES E CONFLITOS
Para o ambientalista, “o Comitê de Bacia é um lugar de contradições e até de conflitos”. No entanto, nos últimos 15 anos, o que se observa é uma lógica perversa de esvaziar e escamotear o potencial construtivo, o potencial de luta, o potencial de construção de um Estado moderno que a lei previa, porque os setores diretamente interessados na visão econômica da água estão sendo hegemônicos, e isso acontece de várias formas. Por isso dizem que, na gestão de recursos hídricos e nos comitês de
bacias, o desafio está sendo muito grande, pois muitas pessoas entram nesse processo por motivos até bastante inocentes, mas depois não aprendem a deixar de ser inocentes, ou fingem que não são, ou fingem que ainda são.
O sociólogo observa que as relações políticas saudáveis, baseadas no respeito e na valorização dos cidadãos que representam os interesses da sociedade, estão sendo cada vez mais distorcidas, o que vem prejudicando gravemente a política. O ambientalista acrescenta que os Comitês de Bacia Hidrográfica, tradicionalmente espaços de participação e representação social, atualmente enfrentam um processo de esvaziamento. “Os comitês do Brasil estão sendo esvaziados de sua capacidade de tomar decisões públicas importantes; algumas grandes decisões sobre as águas do país estão sendo tomadas pelo Judiciário”, afirmou.
A INTERFERÊNCIA DO SETOR PÚBLICO E O CORPORATIVISMO
O coordenador nacional do Fonasc.CBH também enfatiza que a presença do setor público nos comitês está longe de ser neutra. Ao contrário, ele argumenta que o setor público favorece o setor privado, que, por sua vez, obtém grandes lucros com a privatização da água ou com a ausência de uma gestão adequada, conforme estabelecido na lei. Além disso, o setor público não tem propriedade para tomar decisões em favor da sociedade e, muitas vezes, obstrui a capacidade do comitê de se posicionar efetivamente sobre questões cruciais para a preservação dos recursos hídricos. Essa intervenção do setor público resulta, segundo ele, em uma lógica corporativa e patrimonialista, que não atende aos interesses da sociedade civil e impede que as decisões sejam tomadas de maneira transparente e democrática.
“A sociedade é que tem que legitimar a política pública, se ela é eficaz, e não os grupos internos. No governo passado, o setor público tomou conta dos comitês de uma maneira em que se perpetuaram vários vícios do corporativismo e da luxúria por direitos, porque o setor público tem prazer em conceder luxúria de pequenas recompensas”, disse.
UMA PARTICIPAÇÃO SOCIAL LIMITADA E CRIMINALIZADA
Para João Clímaco, os obstáculos enfrentados pela sociedade civil nos CBHs são tão complexos que, em muitos casos, entidades e ONGs têm sua atuação dificultada e até criminalizada. “Nessa conjuntura, nessa estrutura que se criou, nós temos práticas absurdas acontecendo nos comitês, criminalizando entidades que se destacam na afirmação de direitos dentro da política; uma política que não se consolida se não tiver uma demanda de construção de direitos”, apontou.
Conforme o ambientalista, a relação entre a sociedade civil e os comitês de gestão hídrica é marcada por um dilema significativo. Ele argumenta que, enquanto a sociedade civil busca a consolidação de direitos, diversas manobras políticas estão sendo utilizadas para emitir outorgas que desconsideram o princípio da precaução. João Clímaco critica a adoção de regimentos que limitam a representação da sociedade civil e a possibilidade de solicitar vista dos processos. Essa abordagem, segundo ele, promove uma lógica burocrática que predomina na gestão dos recursos hídricos, afastando-se dos princípios democráticos necessários para garantir uma gestão participativa e justa.
De acordo com o sociólogo, é importante apoiar e acompanhar as organizações que se posicionam de forma rebelde. No entanto, ele ressalta que nem toda a rebeldia relacionada à questão da água no Brasil se encontra dentro do sistema, uma vez que muitas dessas organizações não acreditam em sua eficácia. Ao analisar as campanhas para mobilizar a sociedade a participar de comitês, o sociólogo observa que já não há o mesmo entusiasmo que existia há 15 anos para se engajar nesses espaços.
DESAFIOS E ESPERANÇA NA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
Apesar das limitações e desafios que João Clímaco menciona, ele reforça a necessidade de uma participação social mais genuína e efetiva, ressaltando que a sociedade civil tem um papel fundamental na construção de uma política pública de recursos hídricos que beneficie a todos. Para ele, o caminho é reavaliar as estruturas de poder dentro dos CBHs e garantir que a sociedade civil possa ocupar seu lugar de forma legítima, livre da influência de setores econômicos e do patrimonialismo estatal.
A análise do sociólogo traz à tona a complexidade da gestão dos recursos hídricos no Brasil, que depende da efetiva participação da sociedade civil e de políticas transparentes e democráticas. Em um cenário onde a água é cada vez mais valorizada e disputada, o desafio é garantir que os comitês sejam de fato espaços de representatividade e atuação cidadã, e não instrumentos de controle corporativo e
econômico.
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