Em debate promovido pelo programa Fala FADS, cientistas e ativistas expuseram a crise ambiental e os desafios para preservar o Pantanal, destacando o impacto das queimadas, da seca e da política ineficaz diante das ameaças ao ecossistema e à saúde das comunidades locais.
No dia 28 de agosto de 2024, João Clímaco, sociólogo, ambientalista e coordenador nacional do Fonasc.CBH, e a Dra. Débora Calheiros, pesquisadora da Embrapa e colaboradora do Fonasc.CBH, participaram de uma roda de conversa no programa Fala Fads, transmitido pelo canal do YouTube da TVGGN. Sob a condução da bióloga Fran Paula, o debate também contou com a presença de Carlos Padovani, Leonida Aires de Souza e Luciana Ferraz.
Com o tema “Bioma Pantanal sob ameaça: o que podemos fazer?”, a conversa destacou o estado atual desse Patrimônio Natural da Humanidade, que abriga uma biodiversidade singular e enfrenta desafios sem precedentes. Os participantes abordaram os impactos da emergência climática, o aumento alarmante de incêndios e uma seca extrema, que transformaram radicalmente o ecossistema. Esse cenário gera um desafio significativo para pesquisadores, comunidades e ativistas comprometidos com a preservação da vida no Pantanal.
DÉBORA CALHEIROS ALERTA SOBRE IMPACTOS AMBIENTAIS E POLÍTICA INEFICAZ
Débora Calheiros, junto à Embrapa, acumula 35 anos de dedicação ao estudo do Pantanal, mapeando processos ecológicos, hidrológicos e sedimentológicos, além de investigar a rica biodiversidade e as interações do bioma com outras regiões naturais. Seu objetivo é claro: fornecer alternativas e bases científicas que incentivem o uso sustentável dos recursos naturais. No entanto, embora essas pesquisas ofereçam dados cruciais para decisões políticas fundamentadas, a ciência ainda não é plenamente valorizada pelos legisladores. “Nossos políticos não têm esse olhar e essa cultura de se embasar na ciência para a tomada de decisão. É uma coisa muito difícil, mas é a nossa realidade”, avalia Débora, pontuando a distância entre ciência e política no país.
Os impactos do desmatamento no Planalto e no Pantanal têm atingido níveis alarmantes, com a degradação ambiental afetando tanto os ecossistemas naturais quanto a qualidade da água para o consumo humano. Débora ressaltou que as cabeceiras dos rios formadores na Região do Planalto já perderam entre 60% e 80% de suas florestas originais, sendo substituídas por plantações de grãos, cana-de-açúcar e pela pecuária. Na planície, o cenário não é menos preocupante, com o desmatamento cada vez mais impulsionado pela pecuária industrial. O uso intenso de agrotóxicos nas plantações tem contaminado o solo, o ar, os rios e até a água subterrânea, ameaçando tanto a fauna local quanto a saúde dos moradores de diversas cidades.
Estudos conduzidos por Débora em parceria com o professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), confirmaram a presença de compostos tóxicos contaminando fontes de água potável nas bacias Amazônica e do Alto Paraguai. Segundo ela, a população estava exposta a um coquetel de substâncias nocivas devido à expansão acelerada das lavouras de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar no planalto, cujos poluentes eram transportados até o Pantanal, afetando gravemente a planície. Para reverter esse cenário, a pesquisadora defende a urgência de traduzir os dados científicos em ações concretas, políticas públicas eficazes e legislações rigorosas.
Os incêndios no Pantanal configuraram um desastre ambiental de grandes proporções, cujas consequências devastadoras afetaram tanto a saúde humana quanto a biodiversidade da região. Segundo a pesquisadora, em 2020, a situação tornou-se alarmante: apesar da vazão dos rios ter ajudado a diluir os poluentes, a qualidade da água destinada ao consumo humano sofreu severos comprometimentos. Essa crise levou a sociedade civil a unir esforços para garantir o acesso à água potável para as comunidades impactadas.
Outra preocupação levantada por Débora refere-se às barragens que obstruem a migração dos peixes, o que compromete tanto a cadeia alimentar do Pantanal quanto a subsistência das comunidades ribeirinhas. Ela também destacou o projeto da hidrovia Paraguai-Paraná, que foi retomado e está novamente em discussão. Recentemente, Débora e outros pesquisadores publicaram uma carta aberta alertando sobre os riscos da dragagem do rio, que, em um período de seca extrema, se tornaria ainda mais suscetível a alterações drásticas.
JOÃO CLÍMACO: O DESCOMPASSO ENTRE CIÊNCIA E POLÍTICA
João Clímaco expressou suas preocupações sobre a situação do Pantanal, ressaltando a dor de observar o lento progresso frente a problemas ambientais crescentes, em especial as queimadas. Embora essas práticas façam parte da história do uso do solo, sua intensificação descontrolada, exacerbada pela modernização e por atividades agrícolas extensivas, está comprometendo o equilíbrio da região. O coordenador nacional do Fonasc.CBH advertiu que, em vez de avançar em direção a soluções sustentáveis, a sociedade se encontra à beira de um colapso, onde todos os envolvidos correm o risco de afundar.
No contexto da governança, a preocupação levantada por João Clímaco enquanto cientista social se volta para a capacidade institucional em enfrentar os crescentes problemas ambientais. Com um olhar específico sobre o Pantanal, destaca-se a riqueza do capital intelectual e científico existente na região, esse conhecimento permite uma compreensão profunda da lógica de degradação ambiental. Para ele, as ciências sociais desempenham um papel fundamental nesse contexto; entretanto, a ciência política ainda é subaproveitada nos estudos sobre degradação ambiental e na análise da demora nas respostas necessárias para enfrentar esses desafios.
Para o cientista social, existe uma fricção constante entre a lógica do capital, a estrutura de poder e a lógica da sociedade. Segundo João Clímaco, enquanto a ciência oferece subsídios valiosos para uma gestão ambiental mais responsável, o poder econômico, especialmente na região pantaneira, enfraquece os marcos legais e reduz a capacidade de controle estatal. A influência dessas problemáticas dificulta
a implementação de políticas eficazes e bloqueia ações de combate à degradação ambiental – um quadro que as ciências sociais e políticas ajudam a tornar mais evidente.
O coordenador nacional do Fonasc.CBH também destacou que estudos realizados revelam a insuficiência das instituições estatais e da lógica subjacente à ideologia desenvolvimentista que predominam na região. Tal fragmentação representa um desafio significativo que impede a formação de uma sociedade mais unida e articulada. Essa desintegração dificulta a mobilização coletiva no combate às queimadas, tornando mais complicado o desenvolvimento de ações eficazes que possam impactar o equilíbrio de forças políticas.
“Estamos aprendendo com a dor e não com a ciência; estamos agindo de maneira meramente reativa ao furor da natureza, que está nos dizendo para termos uma convivência melhor entre os interesses econômicos e a reprodução da sociedade.” João Clímaco
URGÊNCIA NA PRESERVAÇÃO DO PANTANAL
Com esse debate, o Fala FADS trouxe à tona a urgência de soluções integradas e colaborativas para preservar o Pantanal e garantir a sustentabilidade das comunidades e da biodiversidade local. O programa destacou a importância de unir esforços entre cientistas, políticos e a sociedade civil para enfrentar as ameaças que pairam sobre esse ecossistema vital.
O Pantanal, que abriga não apenas uma rica biodiversidade, mas também uma cultura vibrante, merece atenção e compromisso de todos para garantir seu futuro. A preservação desse bioma é um desafio, mas ao unir forças e atuar de maneira proativa, é possível minimizar a situação e assegurar que tanto as comunidades quanto a natureza possam prosperar em harmonia.
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