No dia 28 de agosto de 2024, João Clímaco (Coordenador Nacional do FONASC.CBH) e Dra. Débora Calheiros (pesquisdora da Embrapa e colaboradora do FONASC.CBH) participaram de uma roda de conversa no canal do Youtube TVGGN. O tema “Bioma Pantanal sob ameaça” sintetiza o cenário atual de um dos nossos Patrimônios Naturais da Humanidade, o bioma pantaneiro possui uma biodiversidade única e já não é o mesmo bioma que conhecemos.
Efeitos da emergência climática junto ao aumento colossal no número de incêndios e uma seca excepcional resultam em um panorama difícil de aceitar, enquanto pesquisadores, comunidades, ativistas, seres humanos que se preocupam com a vida.
Leia na íntegra a fala dos participantes:
Débora Calheiros
Atuamos na produção de conhecimento sobre o Pantanal, os seus processos ecológicos, hidrológicos, sedimentológicos, a biodiversidade, interação com outros biomas, justamente em uma tentativa de que o uso dos recursos naturais seja feito da maneira mais sustentável possível. Mas, infelizmente, nesses 35 anos de pesquisa que fizemos, visando embasar a tomada de decisão política dos legisladores e governantes, vemos que isso não tem sido muito bem aproveitado. Nossos governantes não possuem a cultura de se embasar cientificamente no que tange a tomada de decisões políticas.
Em MT e MS, temos uma produção de conhecimento científico na Bacia do Alto Paraguai, e todos os rios que formam essa bacia tem suas respectivas áreas de inundação e área de extravasamento da água na área da planície. O Pantanal é uma soma de várias planícies de inundação de cada rio formador, sendo o principal o rio Paraguai, compartilhado com os países da Bolívia e do Paraguai.
Nós temos muitos impactos cada vez mais crescentes do desmatamento no planalto, que é onde temos as cabeceiras dos rios formadores, e as planícies, que são o bioma em si. Esse avanço do desmatamento se dá em prol da produção pecuária estar se transformando do modo tradicional para um modo mais extensivo e industrial, digamos assim. Isso tudo está relacionado com a questão do cultivo de commodities no Pantanal, uso de agrotóxicos e fertilizantes, que é o que a gente monitora, e o que percebemos é que está tudo contaminado: o ar, o solo, a chuva, os sedimento dos rios, águas dos rios, águas subterrâneas, água potável. Eu trabalhei com um professor da UFMT e detectamos contaminação da água potável para consumo humano em várias cidades de MT, tanto na bacia Amazônica quanto na BAP. Estamos expostos a esse coquetel de compostos tóxicos devido a essa explosão do cultivo de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar no planalto, que é drenado para o Pantanal e contamina a própria planície.
E a contaminação também afeta os animais silvestres. Antas, araras-azuis, peixes, é uma situação bem questionável em termos de conversação. É preciso transformar ciência em políticas públicas e legislações que sejam realmente efetivas.
Os incêndios são um absurdo completo para a saúde humana, fora perda de animais e alteração da qualidade do ar. A senhora Eleonora, de uma comunidade local, poderia falar sobre a qualidade da água potável nas comunidades ribeirinhas. Em 2020 foi muito complicado e provavelmente hoje também, a quantidade de cinzas que caem nas águas dos rios alteram a qualidade da água, mesmo com toda a dinâmica de vazão do rio. Fora a saúde respiratória, perda de animais, perda do seu quintal que é o Pantanal.
Eu trabalho agora também com políticas públicas voltadas para a conservação da bacia hidrográfica, conseguimos elaborar um plano de bacia de recursos hídricos no CNRH depois de muita luta, porém isso estagnou no governo anterior e continua bem complicado. O CNRH (Conselho Nacional de Recursos Hídricos) retomou suas atividades apenas esse ano e ainda não houve nenhuma reunião, então esse plano está engavetado.
Esse plano apresenta várias decisões importantes para a conservação dos rios, como onde pode e onde não pode se estabelecer empreendimentos hidrelétricos. A Luciana poderia falar sobre o quanto as barragens alteram a produção pesqueira, uma vez que o peixe não consegue acessar seu lugar de desova rio acima. Os peixes desovam nas cabeceiras então migram da planície até o planalto, só que com as barragens isso fica comprometido. Gradativamente temos a perda de produção pesqueira que é importantíssima, não só para as aves e répteis e onças, já que toda a cadeia alimentar do pantanal praticamente depende das populações de peixes; além disso, a própria questão socioeconômica é muito importante já que movimentam a pesca profissional, a pesca tradicional de subsistência e a pesca de turismo.
Esse plano, no qual está presente o mapa de restrição de uso dos recursos hídricos, como previsto na Lei das Águas, contou com a colaboração de 80 pesquisadores da região, principalmente, mas também de todo o país, estudamos o Pantanal em busca da melhor forma de se utilizar os recursos hídricos da região.
Ainda, sobre a Hidrovia Paraguai-Paraná, que foi retomada, por incrível que pareça (desde os anos 90 que questionamos isso), ontem (27/08) lançamos uma carta aberta para muitas entidades governamentais e ao próprio presidente Lula abordando a seca excepcional no Pantanal, pois num momento de seca extrema não se deveria nem dragar para navegação normal (dragagem de manutenção). O nível dos rios está tão baixo que qualquer alteração é prejudicial. Essa carta é assinada por vários pesquisadores, nós publicamos um artigo numa revista científica importante relacionado a esse projeto da hidrovia, enfim, estamos questionando isso em todos os âmbitos possíveis.
João Clímaco
Eu tenho sentido a dor e a delícia de acompanhar algumas coisas no Pantanal, e vejo que, ao invés de estarmos crescendo em direção à solução, estamos vendo um ritmo muito lento de respostas a problemas que exigem respostas rápidas, como as queimadas. Embora o uso do fogo no manejo do solo seja algo tradicional, hoje em dia tornou-se algo totalmente fora de equilíbrio, muito pelo avanço da modernidade e suas atividades extensivas no campo, e como consequência estamos todos estamos no mesmo barco sujeito à afundar.
Nós do FONASC.CBH, primeiramente, assinamos uma carta, em 2020, junto a várias entidades que, já naquela época, estavam movidas pela preocupação em relação aos efeitos negativos do aumento das queimadas. A minha preocupação enquanto cientista social é com a capacidade institucional da estrutura de governança no enfrentamento desses problemas, porque os problemas ambientais são muito evidentes. E eu vejo como esse capital intelectual que temos no Pantanal, como percebo aqui nessa palestra, possui a capacidade científica de compreender toda a lógica do processo de degradação. Nesse aspecto, as ciências sociais contribuem muito, infelizmente a ciência política ainda não é muito bem explorada nos estudos sobre o avanço da degradação e a lentidão de respostas para que esses problemas não sejam somente enfrentados e combatidos, mas também prevenidos.
Então, naquela carta, em 2020, já estávamos falando isso e alertando o estado, as elites políticas, o sistema político, toda a lógica e burocracia. E vemos que isso não é só particular do Pantanal, existe uma fricção muito permanente entre a lógica do capital na sua integração com a estrutura de poder e a lógica da sociedade – que também é muito fragmentada. Já a ciência produz subsídios muito importantes para a tomada de decisão e adoção de condutas sustentáveis na gestão pública dos biomas. Existe uma fricção onde a lógica do interesse do grande capital tem uma prática muito peculiar no Pantanal: enfraquece os marcos legais, enfraquece a estrutura estatal de controle e de ajuda para combater esses problemas. Isso não é evidente, e as ciências sociais e políticas podem mostrar isso.
Os estudos que temos feito sobre essa insuficiência institucional e do aparelho estatal, e toda a lógica que permeia a ideologia desenvolvimentista da região do pantanal – ideologia como elemento fundamental para a compreensão de comportamentos e ações políticas – mostram que essa fragmentação é um desafio muito grande. Entende-se que a sociedade precisa estar unida e articulada para forçar o desequilíbrio de forças políticas hegemônicas e assim termos capacidade de resolver e enfrentar as queimadas e os incêndios. Estes vêm assumindo proporções completamente anormais ao que era antes, enfatizando que estamos aprendendo com a dor, e não com a ciência. Estamos agindo de maneira meramente reativa ao furor da natureza.
Portanto, a minha preocupação enquanto estudioso dessa questão é desnudar isso. Temos atuação no CBH Cuiabá, temos atuação no CEHIDRO, temos uma participação efetiva na instauração do Comitê da BAP, e toda uma mobilização de pessoas que acreditem que a água deve ser gerenciada de forma politicamente correta. Contribuímos para a elaboração do PPCDPan (PLANO DE AÇÃO PARA PREVENÇÃO E CONTROLE DO DESMATAMENTO E DAS QUEIMADAS NO PANTANAL), e uma das questões é que o olhar da maioria dos cientistas e técnicos era ambientalista-conservacionista, e não trazia essa compreensão política da água. Como se dão as relações de poder nas águas, nos rios? A própria legislação minimiza a capacidade do Estado de fiscalizar.
Era o que eu tinha pra dizer, esse olhar deve ser mais estudado para desnudar quem realmente está ganhando com isso, um ganho imediato que pode custar a vida de todos nós.
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