Moção sobre os Impactos das Hidrelétricas propostas para a
bacia do alto rio Paraguai

Os participantes do XXIV Encontro Brasileiro de Ictiologia (EBI 2022), realizado em
Gramado/RS no período de 18 a 23 de setembro de 2022, vêm, por meio desta, manifestaremse
contrários à implantação de empreendimentos hidrelétricos, ou quaisquer outras barreiras
físicas, nos rios que constituem as principais rotas dos peixes migradores de longa distância,
conhecidos regionalmente como peixes de piracema, na Bacia do alto rio Paraguai (BAP) nos
Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Estes rios estão identificados nos Estudos de
avaliação dos efeitos da implantação de empreendimentos hidrelétricos na Bacia do Alto
Paraguai, realizados por várias instituições de pesquisa junto à Agência Nacional de Águas e
Saneamento Básico – ANA de novembro de 2016 a maio de 2020.
Até março de 2017 havia 47 empreendimentos hidrelétricos em operação ou em
construção na BAP e 133 empreendimentos estavam propostos em diferentes estágios de
licenciamento. Os barramentos reduzem drasticamente as populações dos peixes de piracema,
podendo levá-los à extinção, pois podem impedir as migrações anuais das áreas de
alimentação nas planícies até as de desova, nas cabeceiras dos rios. Espécies carismáticas,
tais como curimbatá (Prochilodus lineatus), dourado (Salminus brasiliensis), pacu (Piaractus
mesopotamicus), piavuçu (Megaleporinus macrocephalus), piraputanga (Brycon hilarii), pintado
(Pseudoplatystoma corruscans), cachara (Pseudoplatystoma reticulatum), jaú (Zungaro jahu),
jurupensém (Sorubim lima), jurupoca (Hemisorubim platyrhynchos), entre outros, desaparecem,
como ocorreu com os peixes migradores nas bacias dos rios São Francisco e na maior parte da
Bacia do alto rio Paraná e seus afluentes. Alertamos que estratégias de mitigação como os
mecanismos de transposição de peixes, não resolvem os problemas decorrentes da perda de
conexão entre os ambientes críticos ao ciclo de vida desses peixes causados pelos
barramentos. Eles são ineficientes com relação à quantidade de peixes e seletivos em relação
às espécies e tamanhos dos peixes transpostos. Além disso, a transformação do rio em
represa a montante da barragem, atrasa o deslocamento ou mesmo impede que ovos e larvas
de peixes que desovam acima consigam transpor o lago e a barragem e completar o ciclo de
vida a jusante.
Os peixes de piracema são os maiores peixes da bacia e as espécies mais visadas
pelas diferentes modalidades de pesca, representando um troféu e o principal atrativo para os
milhares de pescadores amadores que visitam anualmente o Pantanal e alcançando os
melhores preços para comercialização para os pescadores profissionais-artesanais,
representando cerca de 90% da captura realizada por essa categoria. Portanto, a perda dos
peixes migradores levaria à desestruturação da cadeia produtiva do turismo de pesca do
Pantanal e causaria prejuízos econômicos e sociais para os 8.000 pescadores profissionais
artesanais que atuam na região, atividade que sustenta diretamente cerca de 30 mil pessoas.
Sociedade Brasileira de Ictiologia
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Esse pescado apresenta, ainda, importante papel na segurança alimentar e renda indireta para
um grande contingente de pessoas em situação de vulnerabilidade, bem como para
pescadores de subsistência residentes nas áreas urbanas e rurais da BAP. A redução ou perda
dos peixes de piracema implicaria, também, em sérios danos para as funções ecológicas que
eles desempenham no ambiente, tais como fonte alimentar para várias espécies de aves,
répteis e mamíferos, dispersão de sementes ao longo da bacia e agentes fundamentais na
ciclagem de nutrientes e no fluxo energético na cadeia alimentar pantaneira, afetando
sobremaneira os serviços desse ecossistema.
Com base no exposto, os participantes do XXIV Encontro Brasileiro de Ictiologia
reiteram que há a necessidade imperativa de que a Federação e os Estados de Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul considerem nas medidas regulatórias dos recursos hídricos, bem como no
processo de licenciamento, o zoneamento ambiental apresentado nos resultados dos Estudos
de avaliação dos efeitos da implantação de empreendimentos hidrelétrico na Bacia do
Alto Paraguai, mencionados acima. Os estudos foram elaborados para subsidiar o Plano de
Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai (PRH Paraguai), cujos resultados estão
alinhados com dois fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: – proporcionar o
uso múltiplo das águas e adotar a bacia hidrográfica como unidade territorial de
implementação.
Esses resultados estão sintetizados na Análise integrada, Nota Técnica Conjunta N.
03/2020/SPR/SER – ANA de 31/05/2020, que define: (1) Áreas com Conflito Regional ou
Local, com 30% dos empreendimentos propostos, localizados sobre as principais rotas
migratórias dos peixes, as quais, necessariamente, devem ser mantidas livres de barramentos;
e (2) Áreas Não Estratégicas para manutenção dos estoques pesqueiros, onde se localizam
69% dos empreendimentos propostos, que devem ser avaliadas no licenciamento ambiental,
uma vez que podem ser estratégicas para conservação da biodiversidade, abrigando espécies
endêmicas e para manutenção de processos ecológicos relevantes.
Link para acesso aos resultados dos Estudos de avaliação dos efeitos da implantação de
empreendimentos hidrelétricos e normas relacionadas:
https://www.gov.br/ana/pt-br/assuntos/gestao-das-aguas/planos-e-estudos-sobre-rechidricos/
plano-de-recursos-hidricos-rio-paraguai/estudos-de-avaliacao-dos-efeitos-daimplantacao-
de-empreendimentos-hidreletricos
Cordialmente,
Dra. Carla Natacha Marcolino Polaz
Sociedade Brasileira de Ictiologia (SBI)
Presiden