
O FONASC.CBH Foi um dos signatários da carta aberta a comissão de transição do governo que se propõe a alertar a equipe de transição sobre a urgência de ações que controlem a exploração minerária.
Veja abaixo a carta na íntegra:
Este documento é um alerta à equipe de transição do governo Lula sobre a urgência de ações de controle da exploração minerária no Brasil. Convidamos a assiná-lo, a todas as entidades preocupadas com a conservação ambiental, com o uso dos bens comuns frente a uma mineração predatória, que coloca nosso povo – incluindo as futuras gerações – de joelhos, constrangidas a submeter direitos e o próprio futuro a interesses de grandes corporações transnacionais.
À comissão de transição do governo eleito,em especial ao
Presidente Luís Inácio Lula da Silva,
à deputada federal eleita Marina Silva e
Sr. Giles Azevedo, relator do subgrupo temático da mineração
A grave crise climática e ambiental que assola o mundo assusta a todos. Há décadas, países ricos e pobres se empenham em debates promovidos por agências governamentais, academias, institutos de pesquisa e espaços de militância ambiental em busca de saídas para o colapso climático que se aproxima. As projeções dos especialistas relativas às consequências do desmatamento, das queimadas, da utilização ostensiva de combustíveis fósseis vêm sendo cada vez mais antecipadas, abeirando rapidamente do presente as situações catastróficas antes projetadas para a metade ou para o final do século. O próprio Presidente eleito, há alguns dias, em seu discurso na COP 27, alertou: “o planeta a todo momento nos alerta de que precisamos um dos outros para sobreviver, que sozinhos estamos vulneráveis à tragédia climática”, que é preciso “ir além dos nossos interesses nacionais imediatos”. Também reafirmou o “inabalável compromisso do Brasil com a construção de um mundo mais humano, mais justo e mais solidário”. Ressaltou ainda que “o combate às mudanças climáticas terá o mais alto perfil na estrutura do seu próximo governo”. Por fim, comprometeu-se, dizendo que cobrará dos países ricos o cumprimento de metas firmadas em acordos anteriores. É esperançoso ouvir palavras tão firmes após o pesadelo que vivemos sob o governo que “passou a boiada” no licenciamento ambiental durante a pandemia, que agiu deliberadamente para desmantelar as estruturas de fiscalização ambientais, que incentivou o desmatamento da Amazônia, o garimpo ilegal, a grilagem, a invasão de terras indígenas e o assassinato desses povos e a morte de militantes e ambientalistas. No entanto, e mesmo por isso, nos vemos no dever de alertar a equipe de transição e o futuro presidente de que, neste momento, as grandes corporações ligadas à mineração no Brasil seguem firmemente o propósito de continuar promovendo o desmantelamento da legislação ambiental no país. No último dia 16/11, foi reativado, na Câmara dos Deputados, o chamado GT Minera, um grupo de trabalho conduzido por parlamentares ligados ao setor minerário que pretendem aprovar um novo código de mineração no país. Concomitantemente, no Senado, a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental segue em tramitação. Nessa toada, intencionam aprovar, “no apagar das luzes” do atual governo, novas normas, como a defesa da declaração de mineração como utilidade pública e a garantia definitiva, consolidada por força de lei, da priorização de atividades minerárias sobre a possibilidade de criação de áreas de preservação permanentes e reservas ambientais. Usufruímos dos trágicos exemplos dos crimes de barragens em Minas Gerais, Mariana (2015) e Brumadinho (2019), cometidos por duas entre as maiores mineradoras transnacionais do mundo, a Vale e a BHP Billiton, e dos inúmeros e graves impactos socioambientais aos territórios e populações onde a mineração ocorre para ilustrar a necessidade de que sejam incorporadas, a essa comissão, pessoas que compreendam o risco de se licenciarem grandes empreendimentos sem uma legislação adequada e uma verdadeira avaliação da sua viabilidade. Hoje, nesse Estado, não há qualquer estudo sobre sustentabilidade para o meio ambiente, em especial quanto à questão hídrica e climática, a curto ou longo prazo, com essas plantas minerárias já existentes e aquelas pretendidas pelo setor. A maioria dos conselhos que aprovam licenças para a mineração permitem, de uma forma ou de outra, que o poder de decisão esteja nas mãos das próprias mineradoras. A recente saída das entidades ambientais do Conselho de Política Ambiental e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, em protesto ao modo como se dão as tomadas de decisão nesses fóruns, é um alerta sobre a gravidade do cenário do licenciamento ambiental na mineração no país. Esse quadro revela que: é urgente articular, junto ao Congresso Nacional, leis que garantam a devida e criteriosa análise e concessão de licenças, respeitando a participação da população, impedindo, por exemplo, licenças concomitantes e fracionadas, estratégia cada vez mais utilizada pelas mineradoras para destravar e agilizar o licenciamento ambiental. Ao longo dos últimos anos, perdemos vidas e biomas inteiros pelo fato de o licenciamento ambiental ter se tornado procedimento viciado, abandonando seu caráter preventivo e impossibilitando a efetiva participação popular. Mariana e Brumadinho são apenas dois entre os inúmeros exemplos, insistimos. É urgente que se reavalie a legislação que regula a exportação de commodities minerários – em especial a famigerada Lei Kandir –, e que se imponham compensações às grandes emissões de carbono que a atividade promove. É urgente que o Estado Brasileiro retome o controle da ANM, hoje entregue livremente aos desmandos das grandes corporações do setor minerário, de forma que possa recuperar a estrutura de fiscalização da agência para que ela cumpra a sua função de evitar que novos crimes, como os de Mariana e Brumadinho, voltem a enlutar e enlamear o Brasil. É urgente reconhecer que há nomes importantes de técnicos, especialistas e ambientalistas que podem contribuir com sua experiência e conhecimento para os trabalhos dessa equipe de transição, de modo a fornecer informações e preparar o novo governo para, de imediato, enfrentar os grandes desafios que as questões de licenciamento ambiental, fiscalização e segurança da população na mineração se apresentam no cenário atual.